segunda-feira, 28 de junho de 2010

José Saramago

Agora que o alvoroço pela morte de um de meus autores favoritos já passou, chegou a hora de falar (mais) um pouco sobre José Saramago. Não vou deixar mais um texto sobre como o mundo ficou mais triste, o português perdeu um grande mestre, etc e tal. A melhor maneira de conhecer Saramago e entender por que sua perda foi tão sentida é lendo o que ele escreveu. Por isso, começo este post com o início da sua autobiografia - o melhor de todos os textos que li sobre Saramago desde a sua morte:

Nasci numa família de camponeses sem terra, em Azinhaga, uma pequena povoação situada na província do Ribatejo, na margem direita do rio Almonda, a uns cem quilómetros a nordeste de Lisboa. Meus pais chamavam-se José de Sousa e Maria da Piedade. José de Sousa teria sido também o meu nome se o funcionário do Registo Civil, por sua própria iniciativa, não lhe tivesse acrescentado a alcunha por que a família de meu pai era conhecida na aldeia: Saramago. (Cabe esclarecer que saramago é uma planta herbácea espontânea, cujas folhas, naqueles tempos, em épocas de carência, serviam como alimento na cozinha dos pobres). Só aos sete anos, quando tive de apresentar na escola primária um documento de identificação, é que se veio a saber que o meu nome completo era José de Sousa Saramago...
 Extraído de http://www.josesaramago.org/saramago/detalle.php?id=677




Para os que ainda não tiveram a coragem de desbravar as obras conhecidas pelos parágrafos intermináveis e quase sem pontuação de José Saramago, coloco uma pequena lista dos livros que já li e indico.


O Evangelho Segundo Jesus Cristo

O primeiro livro de Saramago que li, aos vinte anos, sem saber que havia causado a polêmica que fez o autor, inclusive, deixar Portugal. Ao contrário do ódio que a Igreja Católica pregou contra este livro, eu o recomendo como uma das melhores descrições e interpretações de Jesus Cristo. Um fato curioso é que eu comecei a ler este livro em dezembro, ou seja, li o nascimento de Jesus bem nos dias do Natal. Da mesma maneira, levei até abril para terminar de lê-lo (o primeiro livro de Saramago a gente nunca esquece, tamanho é o "sofrimento" para se acostumar com a falta de pontos estratégicos para interromper a leitura), sendo que li sobre a morte de Jesus exatamente na Semana Santa. Não achei nada de desrespeitoso com a fé Cristã as cenas entre Jesus e o Diabo - afinal, a própria Bíblia nos ensina que ele tentou Jesus várias vezes. Em contrapartida, foi Saramago quem me deu a visão mais bonita sobre Jesus Cristo, pregrado na cruz, sofrendo não por seus ferimentos físicos, mas pela visão do futuro, onde pessoas usariam o seu nome para matar e morrer em vão. Talvez seja por este final - um dos melhores finais que já li - que muitos católicos ficaram revoltados. Enretanto, nenhuma das visões que Cristo tem à beira da morte, sobre o futuro da religião criada usando seu nome, é mentira. Ponto importante para refletir.


O Homem Duplicado

Este sim, dos livros que li, é o que mais ilustra o estilo de Saramago. Não apenas usando os parágrafos que duram quase um capítulo inteiro, mas também abusando da falta de pontuação, paradoxalmente, "O Homem Duplicado" é a prova que José Saramago sabia usar as palavras de maneira sábia. Olhando as frases enormes, algumas tomando quase uma página inteira, pode parecer que a leitura deste livro é extremamente cansativa. Mas eu afirmo que não é! Enquando deslisamos pela narrativa, o que lemos é, muitas vezes, o diálogo de um homem com sua própria consiência. É aí que o estilo de escrita de Saramago se torna evidente. Sem pontuações para amarrarem o texto, as palavras fluem como fluiriam em nossa mente. Perguntas, respostas e réplicas se misturam, e por incrível que pareça, uma história de mistério e ação começa a se formar, com um final surpreendente.



As Intermitências da Morte


Se você está curioso para conhecer todo o poder sarcástico, ácido e irreverente das palavras escritas por Saramago, comece por aqui. Se eu fosse uma católica inveterada, teria muito mais medo da repercusão de "As Intermitências da Morte" que de "O Evangelho Segundo Jesus Cristo"; mas quem sou eu para dizer o que a Igreja deve ou não proibir seus seguidores de ler...

A história parece simples: a Morte resolveu tirar férias e decidiu que não mataria mais ninguém num determinado país, sem data prevista para voltar. A partir daí sugem uma série de problemas, que não envolvem apenas as religiões, mas a esfera política e militar também. Com um simples acontecimento fantasioso, Saramago consegue nos mostrar as "intermitências" dos três pilares que sustentam o estado. De longe, é o meu livro preferido dele. Principalmente porque, mas ou menos no meio do livro, ele mostra que além de críticas poderosas, também é capaz de escrever lindos romances.

XD

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