quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O Cordeiro


“Esta história não se propõe, nem nunca se propôs, a desafiar as crenças de ninguém, e, se a fé de uma pessoa ficar abalada pelos relatos de um romance cômico, talvez seja a hora de rezar um pouco mais.”
Christopher Moore
Autor de “O Cordeiro, O Evangelho Segundo Biff, O Brother de Infância de Cristo”.




É difícil falar sobre esse livro. Eu fui batizada na Igreja Católica, mas não sou do tipo que freqüenta missa ou se interessa pelas tradições religiosas. Ou seja: eu li “O Cordeiro” mais com olhos de um agnóstico que respeita e admira a figura de Jesus Cristo que como um católico que poderia se sentir ofendido ao ler, por exemplo, que Jesus (ou Josué, como ele é citado no livro) tinha dúvidas se deveria ou não aceitar o desafio de continuar virgem. Moore se esgueira pela interface da diversão e do início de uma guerra religiosa! Em nenhum momento o livro tem a intenção de contradizer a Igreja Católica ou o Judaísmo, mas mentes fechadas existem em todos os lugares, e tenho medo de alguém ainda acabar julgando um livro excelente como blasfêmia.

Mas para entenderem do que estou falando, vamos à história:

“A primeira vez que vi o homem que ia salvar o mundo, ele estava sentado próximo ao poço central de Nazaré com um lagarto pendurado na boca. Só era possível ver o rabo e as pernas traseiras, a cabeça e as pernas dianteiras encontravam-se a meio caminho da goela. Ele tinha seis anos, como eu, e sua barba ainda não era cheia, portanto não se parecia muito com as imagens que você já deve ter visto dele. Seus olhos tinham a cor de mel escuro e eles sorriram para mim em meio aos cachos pretos azulados que lhe emolduravam o rosto. Aqueles olhos continham um brilho mais antigo que o próprio Moisés.”

O Cordeiro” é narrado em primeira pessoa por Biff, amigo de infância de Josué, que recebeu a missão de escrever seu próprio Evangelho. Tendo conhecido Josué desde pequeno e o acompanhado a vida inteira, Biff é o melhor Apóstolo para descrever os caminhos do Filho de Deus até o início das suas pregações e sua morte, aos 33 anos de idade. Graças à narrativa de Biff, podemos conhecer Josué desde sua infância. Testemunhar suas dúvidas, suas tristezas, suas alegrias. Por diversas vezes, enquanto lia o livro, eu me peguei desejando que Jesus realmente tivesse tido um amigo como Biff. Todos nós precisamos de um amigo como Biff!

Josué sempre soube ser o Filho de Deus, o Messias... Agora tentem imaginar o que é ser vizinho de alguém que diz ser mãe do Filho de Deus, concebido sem pecado. Maria era vista como louca, e Josué muitas vezes se sentia perdido ao saber que não poderia seguir o mesmo caminho das crianças da sua idade. Aliado a isso, imaginem uma guerra de poder entre os romanos – atuais dominadores do local – e os líderes religiosos que tiveram seu território usurpado pelos conquistadores. Um messias questionando as próprias leis judaicas era perigoso, e graças a Biff, Josué sempre pode contar com alguém capaz de tirá-lo das encrencas que arranjava para si por sair por aí se dizendo o Filho de Deus.

As cenas deles ainda crianças, brincando de representar partes importantes das escrituras e da história dos judeus são hilárias. Como por exemplo, quando os irmãos de Josué, brincando de serem os sodomitas, fizeram amizade com Lot (interpretado por Biff), impedindo Josué de interpretar corretamente o papel dos anjos que deveriam cegá-los. Ou então quando os irmãos mais novos de Josué confundiam as histórias e misturavam seus papéis. Misturadas a brincadeiras de crianças e às novas experiências que Josué e Biff enfrentam quando, mais velhos, deixam a terra natal para que Josué compreenda melhor seu papel como messias, é que vemos os dois começarem a se questionar sobre os dogmas do judaísmo que mais tarde seriam as principais diferenças entre a religião de Josué e o futuro Cristianismo. Como quando Biff não conseguia entender qual a ofensa grave que havia numa porção de bacon frito e Josué decidiu que este seria o seu almoço daquele dia!

Josué se afastou de sua terra natal para entender seu papel no mundo e acabou descobrindo o amor e o perdão como a chave para salvar a todos nós. Não apenas seu povo judeu, mas todos os filhos de Deus. E é aí que vemos o quanto sua tarefa foi difícil. Josué voltou para Nazaré e começou a pregar, mas mesmo entre seus seguidores, às vezes era difícil ensinar sobre o perdão. Biff, sendo bem mais “estourado” que Josué, era um deles. Todos sabemos como termina essa história, mas é interessante relembrá-la – mesmo que sob um ponto de vista totalmente fictício. A maneira como Josué enfrentava suas frustrações sem deixar se levar pelo ódio é inspiradora, não importa quais suas crenças ou religião.

E para terminar, um trecho pelo qual me apaixonei. Trata-se de Biff narrando seus sentimentos quando conheceu a menina que seria seu primeiro amor. Não darei mas detalhes para evitar SPOILERS.

“Não sei se agora, (...), consigo escrever sobre um amor infantil, mas, ao relembrá-lo, acho que foi a dor mais pura que já conheci. Amor sem desejo, ou condições, ou limites – o coração resplandecendo de forma pura e radiante, de modo a me deixar tonto, triste e exultante, tudo ao mesmo tempo. Para onde foi parar tal sentimento? Por que, após tantas experiências, os reis magos jamais tentaram capturar tal pureza numa garrafa? Talvez isso estivesse fora do alcance deles. Talvez a percamos ao nos tornarmos criaturas sexuadas, e nenhuma mágica seja capaz de resgatá-la. Talvez eu apenas me lembre da sensação porque passei muito tempo tentando entender o amor que Josué sentia por todo mundo.”


PS:
- Você pode achar mais comentários sobre o livro no blog: Pequenos Fragmentos de Luz
(de onde eu copiei a imagem da capa do livro).

Um comentário:

  1. Gostei da resenha. \o/

    E o livro já vai pra minha listinha de livros para ler.

    Eu gosto de temas religiosos assim.

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